sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Qual a sua posição preferida?

Segundo estudos recentes,
parado, fortalece a coluna;

de cabeça baixa, estimula a circulação do  sangue;
de barriga para cima é mais prazeroso;
sozinho, é estimulante, mas egoísta;
em grupo, pode até ser divertido;
no banho pode ser  arriscado; 
no automóvel, é muito perigoso...
com frequência, desenvolve a imaginação;
entre duas pessoas, enriquece o conhecimento;
de joelhos, o resultado pode ser  doloroso...



Enfim, sobre a mesa ou no escritório,
antes de comer ou depois da sobremesa
sobre a cama ou na rede,
nus ou vestidos,
sobre o sofá ou no tapete,
com música ou em silêncio,
entre lençóis ou no "closet"
sempre é um ato de amor de enriquecimento.
Não importa a idade, nem a raça, nem a crença, nem o sexo, 

nem a posição socioeconômica...  



... Ler é sempre um prazer...!!!



DEFINITIVAMENTE, LER LEVA A DESFRUTAR DA IMAGINAÇÃO... 

E VOCÊ ACABOU DE EXPERIMENTAR ESSE FATO...!!!

sábado, 13 de novembro de 2010

Só pro meu prazer - Leoni

Gozo

Poesia é tua carne

Teus dedos

Teus lábios grossos

Tua febre, teus remorsos

Tua sensação de gozo

Poesia é um ser raivoso

E amável

Que mora nos teus sentidos

Te invade pelos ouvidos

Boca, olhos e narinas

Te faz sutil e felina

Se aloja em teus orifícios

Poesia são teus vícios

Tua calma

Teu desespero

E todas as tuas virtudes

Poesia,

São

Os grandes lábios

Da tua rosa perfeita

A forma como te deitas

Expondo as ancas e o cio

Teu eterno desvario

Teu medo da solidão

É o ferro quente que fere

A palma da tua mão

É tua honra

E teu censo

Teu torpor

E teus anseios

São milhões de devaneios

Correndo extasiados

No espaço do teu delírio

A poesia é um Rio

Que corre pelo teu corpo

Proporcionando conforto

Angustia e ansiedade

É a cor da tua vontade

É cada desejo teu

São dedos ágeis e leves

Te dando um carinho breve

No interior das coxas

Te envolve e te desabrocha

Te cala

E te faz gritar

Poesia é o sumo salgado

Que escorre pelo teu vórtice

Te leva a uma doce morte

E te faz ressuscitar

Biquini cavadão - Zé ninguem

Vento no Litoral ( Renato Russo)

Canção e vida

Um dia desses, eu era feliz como quem nunca se afastou do porto

Matava a fome num ou noutro corpo e idolatrava as luzes do País

Quando cantava, era sem esforço.

Me vejo ainda escalando um fosso

Pra sussurrar canções pra alguma atriz

Por muitas vezes cruzei a estrada que dá em nada,

a da canção do Gil

só pra colher papoulas destroçadas, amontoadas num distante abril

O curioso é que, quando voltava, eu gargalhava ao som do vinil

Casa no campo, violão com lua, namorada nua, beijo de uma estranha

Cauda de pavão cheia de mistério, Chico, o planisfério, Rita, Gal, Bethânia

Lembrando agora vejo que não fiz nem a metade do que tinha em mente

enquanto expunha o corpo ao sol quente e rabiscava textos na alma com giz

Percebo agora que a estrada em frente, aquela mesma que vai dar em nada,

é a morada do que eu sempre quis

Por isso sigo firme, passo á passo. Há algo belo, eu sei, em algum lugar.

Para encontrar na borda do oceano a flor que valha à pena cultivar

é necessário estar disposto a tudo.

Solto no mundo, quero caminhar

Quero explorar os buracos da rua e revirar as cestas nos portões

Assoviar pra voz que continua a misturar a vida com as canções

Queen - 'Love Of My Life' (Live At Wembley)

Eric Clapton - Cocaine

Pink Floyd - Another Brick In The Wall(Live)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A herança de Fabiana


Fabiana era a prostituta mais culta do calçadão de Copacabana. Criada pela avó, sempre viveu rodeada por pessoas inteligentes, desde a infância, até o fim da adolescência. Fez faculdade de comunicação, apesar de não concluí-la, e também vários cursos alternativos de teatro, artes plásticas, história da arte, história antiga e contemporânea, entre outras coisas. Era uma pessoa razoavelmente preparada para a vida, mas por conta das ranzinzices familiares optou por, só de pirraça, aprofundar o envolvimento com uma amiga que fazia viração em Copa e acabou seduzida pela idéia de adotar para si a profissão da amiga.
Curtia a forma tola e inconsequente com que os homens se deixam manipular por uma mulher e considerava que, na verdade, era ela quem os usava e não o contrário. Além disso, a atividade ainda lhe pagava as contas com sobras.
Vez por outra aparecia um cliente mais agressivo, porém, sua própria personalidade forte acabava impondo certo respeito e enquadrando o sujeito.
O apartamento onde os recebia era bem decorado. Nada luxuoso, mas tudo de muito bom gosto. Vários quadros de artistas desconhecidos do grande público espalhavam-se pelas paredes, alguns inclusive dados a ela como pagamento por serviços prestados. Não gostava de receber estes “cachês” - como ela chamava - pois aos artistas dava-se por prazer. Alguns, porém, exigiam que ela aceitasse o mimo, e, dessa maneira, acabou por acumular muitas telas. Quase uma pinacoteca.
Na estante, livros e CDs cultuados. Alguns raríssimos. Todos organizados em ordem cronológica.
Os livros vinham de Machado de Assis até os autores atuais passando por Jorge Amado, Manuel Bandeira, Maiakóvisk, Leminski e Fausto Wolff. Romance, crônica e poesia se misturavam sem qualquer preconceito.
Com os CDs dava-se o mesmo. De Donga à Zeca Baleiro, ouvia a nata da MPB - Chico, Gil, Caetano, Elis, Clara - além do rock progressivo de língua inglesa e da música latina de Mercedes Sosa, Pablo Milanês, Sílvio Rodrigues e Fito Paez. Amava mostrar erudição. Não acreditava que isso pudesse causar algum efeito na clientela, mas curtia de verdade tudo aquilo. Era algo que poderia até assustar aos menos polidos, mas servia muito bem como armadilha para capturar os mais sensíveis. Sairia ganhando sempre. Era, enfim, uma puta romântica.
- Essa menina é louca – vivia dizendo a avó – bonita daquele jeito e resolveu cair na vida só pra me fazer pirraça. O excesso de Inteligência estragou a minha neta.
Mas Dona Judith não guardava mágoa. Na falta de visitas, ia para o calçadão de vez em quando pra saber notícias da neta. Parava ao lado de Fabiana e despejava o mundaréu da inquisição: Ta comendo direito? Ta dormindo bem? Tem descansado? Etc, etc e etc... Às vezes a outra tentava se livrar dos questionamentos.
- Pô vó, tá queimando meu filme. Assim você espanta clientela.
- Liga não – respondia a senhora – eles vão pensar que a puta sou eu - E saia rindo, feliz.

Dona Judith vivia de forma tranquila. Com uma boa aposentadoria, deixada pelo marido morto, e sendo legítima proprietária de meia dúzia de imóveis em Copacabana, tinha plenas condições de tomar conta de Fabiana, mas a moça se recusava terminantemente a aceitar a sua tutela.
Desde o seu nascimento vinha juntando dinheiro em uma caderneta de poupança da Caixa para entregar a menina no momento que achasse apropriado. Nas suas contas a hora já era chegada, mas precisaria dar um jeito de contornar o sentimento de independência da neta.
No apartamento em frente ao seu morava Getúlio, um jovem advogado que namorara Fabiana na adolescência. Sempre que se cruzavam pelos corredores Dona Judith provocava o rapaz:
- Tua namorada ainda está no calçadão. - Dizia a senhora – Você não vai fazer nada?
- Não é mais minha namorada, mas ainda é sua neta. - Retrucava o outro.
- Mas você ainda é apaixonado por ela. Pensa que eu não sei.

O rapaz ficava vermelho, visivelmente sem graça e entrava apressado no elevador para se livrar do incômodo diálogo.

Um dia, no entanto, Dona Judith, ao invés de provocá-lo, chamou-o para uma conversa.
“Estou precisando da sua ajuda. Talvez você seja a única pessoa capaz de por em prática um plano que eu tenho”, disse a senhora, enquanto arrastava o rapaz para dentro.


II


Alguns meses depois, numa certa noite clara, Getúlio encontrou com Fabiana, que flutuava feliz pelo calçadão. Bebericando um Chope, o rapaz a cumprimentou com um “oi”. Assim como quem não quer nada.
Sentindo-se incomodada com o que lhe pareceu desprezo, ela sentou-se à sua mesa.
- Perdido por aqui? Ou veio só observar como as putas ganham a vida?
- Na verdade, nem uma coisa nem outra. Vim me divertir e, quem sabe, comer alguém – Disse tomando um longo gole – não estou fazendo nada mesmo...
- Você não acha isso sacanagem com sua namorada?

Getúlio riu.

- Não tenho namorada, nem sou casado.
E olhando para uma bunda bonita que passeava por perto, prosseguiu:

- Estar sozinho tem seu lado bom. Posso me embrenhar na putaria à vontade, de corpo e alma, sem magoar nem trair ninguém.
Falou sorrindo e brindando com Fabiana, que havia pedido uma bebida.
- Posso comer até você, se eu quiser...
Fabiana se ajeitou na cadeira antes de responder aquilo que considerou um desaforo.
-”Se eu quiser” por quê? Você não quer, mas eu seria uma terceira ou quarta  opção, é isso?
- Não necessariamente. Mas você é uma profissional, e, se eu quiser os serviços de uma profissional, não vejo nada demais em ser você.
- Filho da puta... - Deixou escapar o xingamento sem querer – Você acha que é assim? Chega, me come, vai embora e pronto?
- Claro que não. Antes de ir embora eu pagaria, é lógico. Desde que você prometesse não se apaixonar novamente.
- Seu babaca – falou fazendo cara de nojo – Eu sou uma profissional. A possibilidade de eu me apaixonar por você é zero. E além do mais, eu não suporto homem pretensioso.
- Ué. Eu não sabia que as profissionais escolhiam tanto. Pensei que a relação fosse do tipo: pagou / comeu, não pagou / não comeu.
- Na verdade é assim – rindo – mas você falou em me apaixonar. Com paixão é mais caro.
-  Hummm... Maravilha isso. Nesse caso eu iria querer o pacote completo, com paixão e tudo.
- Você não era safado assim quando a gente namorava.
- Você também não, mas a gente muda.

               A conversa ainda rolou por um tempo e ao final Fabiana foi para casa, encerrando mais cedo o expediente. Alguma coisa no papo sensibilizou sua veia romântica. Passou a noite sem dormir, bebericando e rememorando coisas da adolescência. Riu sozinha quase a noite toda.

 

III 

Duas semanas depois Getúlio estava novamente no calçadão.

- Oi – falou sorrindo e levantando a tulipa na intenção de um brinde - vamos fazer um programinha hoje?

Fabiana fez cara de espanto.

- Mas isso é assim? Na seca? Não rola nem um papinho antes?
- Me perdoa, meu anjo. Eu sei que os teus clientes costumam te levar para jantar, passear e coisa e tal, mas eu sou mesmo um grosso. Liga não – disse com ar irônico.

Sem dizer absolutamente nada, Fabiana pegou a mão do rapaz e o conduziu assim até um motel próximo. Escolheram um quarto e subiram pelo elevador quase sem trocar palavras.

- Porque não no seu AP? - Perguntou ele.
- Aqui é mais perto.

Se entregaram aos desígnios do sexo à noite inteira. Misturaram mãos, pernas, bocas, peitos, os corpos inteiros, de forma tão desordenada que pareceu, em determinado momento, que as almas haviam fugido para não atrapalhar a refrega dos corpos. Quem olhasse de longe poderia até identificar as digitais da paixão naquele movimento enrodilhado e contínuo.
Só quando amanheceu se deram conta de que o tempo em que ficaram juntos extrapolava em muito qualquer prazo pré estabelecido para um programa convencional. Foi Getúlio quem tocou nesse assunto:

- Quanto você costuma cobrar por um programa?
Pensado tratar-se de uma brincadeira do amante, Fabiana sorriu e respondeu a indagação com uma pergunta.

- Pra você?
- Não. Quero saber quanto você cobra por um programa comum, de uma hora, com um cliente comum.

- Trezentos reais – Disse a moça com um ar intrigado.

Getúlio abriu a carteira, tirou um maço de notas e colocou sobre a cama.

- Essa noite valeu muito mais que isso. Toma.

Deu um beijo carinhoso na parceira, fez-lhe uma caricia no sexo e vestiu a roupa.

- A gente se vê de novo essa semana ainda. Tchau – Disse antes um pouco de sair, batendo a porta do quarto.

Fabiana não entendeu nada. Pegou o dinheiro em cima da cama e contou. Era o suficiente para pagar 10 programas.


IV

Na semana seguinte Getúlio e Fabiana se encontraram novamente no calçadão, mas o moço não estava feliz como das vezes anteriores. Parecia tenso e irritado.

- Você está bem? - Perguntou ela tomando um gole do chope dele.
- Tô nada. Eu tô é puto da vida.
- Porque? O que houve? Ta puto comigo?
- Não. Claro que não. Tô puto com aquela moreninha que faz ponto na Help.          Nunca vi uma puta tão burra.
- Você ta saindo com ela?
- Saindo não. Só queria um programa. Mas a mulherzinha é muito limitada. Cruz credo. Se ela cobrasse cem reais, já seria muito dinheiro pra sair com aquela tonta.

Fabiana irritou-se.

- Porra... deixa de ser escroto. Você fica exigindo bizarrices e ainda fala mal da menina? Foi isso não foi? O que você queria dela? Aposto que foi algo muito nojento.
- Você está se condoendo dela ou está com ciúmes? Perguntou de supetão.

Fabiana travou na hora. Não sabia o que dizer. Certamente não estava preparada para uma pergunta como aquela, por isso resolveu ficar na defensiva.

- Ciúmes está a puta que o pariu. Eu já disse pra você que sou profissional, caralho. Não pense que você, só porque foi meu namorado, vai ser tratado de maneira diferente. Você é igual a qualquer cliente e eu não tenho ciúmes de clientes. Seu babaca.

Getúlio não se abalou.

- Você é profissional? Então prova. Faz comigo o que ela se recusou a fazer que eu pago.
- Eu não faço bizarro. Maluco.
- Passar uma semana em uma praia no interior do Ceará com todas as despesas pagas não é exatamente o que se possa chamar de proposta bizarra.

Fabiana travou de novo.
- Duvido que foi isso que você propôs a ela – A voz já estava consideravelmente mais calma. Sereninha. Até um pouco manhosa.
- Foi sim. Ela disse que não pode ir. Tem medo de perder os clientes fixos. Isso é mais que limitação. É burrice.
- Quanto você ofereceu a ela?
- Dez mil.
Fabiana emudeceu por um instante, mas logo depois conseguiu soltar a voz espantada.
- Dez mil reais? - Falou com ênfase – Limpinhos?
- Limpinhos.
- Vamos nessa - Gritou Fabiana – Sua felicidade era tão plena e seu sorriso tão espontâneo que a noite chegou a ficar envergonhada.

V


- Porque você não aplica esse dinheiro? - Propôs Getúlio na volta da viagem, ao entregar-lhe os 10 mil reais.

- Eu tô precisando comprar umas coisas pra mim. Não vai dar para aplicar.
- Dá sim. Deixa esse dinheiro guardado. A gente vai sair outras vezes e você vai usando o dinheiro que eu for te pagando para comprar tuas coisas.
- É claro que não da pra fazer assim, Mané. Como eu vou saber se a gente vai sair de novo essa semana, esse mês... E, mesmo que eu tivesse essa certeza, que dia exatamente seria? Não é assim que funciona, bobinho – Abriu um sorriso provocativo – Ser puta não é mole não.

Getúlio ignorou a provocação e optou pela praticidade.

- Vamos fazer o seguinte, marca, com antecedência, oito programas para os próximos 30 dias. Separa esses horários pra mim. Aí você vai ter certeza de que nesses dias vai pintar dinheiro, daí é só programar tuas compras.
- E quanto você vai me pagar por cada programa? – perguntou meio ansiosa.
- Vamos combinar: Não quero nada burocrático. Nem quero que você trepe olhando no relógio. Então vamos estabelecer uma quantia. Eu te faço uma proposta, se você topar a gente fecha negócio. Que tal?
- Feito. Faz a proposta.
- Quinhentos reais por cada programa. Topa?
-Isso é mais do que eu cobro. Mas, por outro lado, estou dando preferência a você, como um cliente especial.
Ambos riram.
- Você quer me explorar? - perguntou Getúlio dando uma gargalhada.
- Não – respondeu ela – só quero ter certeza de que posso liberar outros possíveis clientes sem ficar dura.
- Vamos fazer o seguinte então: te pago mil pratas por programa, mas você é minha o dia e a noite inteira. Vinte e quatro horas. É minha última oferta. Topa?
- Caralho... É claro que eu topo. Você está advogando para traficantes? São oito mil reais em um mês, tem certeza de que você quer pagar isso?
- Tenho sim. É mais barato do que casar. Concorda? Mas isso tudo tem uma condição: você tem que aplicar a grana que não for usar de imediato.
- Porque essa preocupação agora? A partir do momento que você me paga o dinheiro é meu, posso fazer o que eu quiser.
- É verdade, meu anjo. Mas eu sou advogado, não se esqueça disso. Me sinto na obrigação de te orientar como se você fosse minha cliente. Eu não sou teu cliente? Qual o problema de você agir como se fosse minha cliente também?
- Nenhum – disse ela rindo.
Estava realmente feliz. Achava, naquele momento, que Getúlio estava maluco, mas nem disse nada.
“Se ele voltar na semana que vem para desfazer o negócio eu crio alguma quizumbinha, valorizo o lance, mas depois cedo. Mesmo que ele desfaça tudo, continua sendo meu melhor cliente. Mas eu daria pra ele de graça numa boa”, pensou consigo mesma.

VI

  O mês transcorreu tranquilo e Getúlio compareceu a todos os encontros pré estipulados, cumprindo fielmente o acordo, e até indo além do combinado, pois acabou incluindo um pouco de aventura em cada um deles. Um dia foram de helicóptero para a região dos lagos, em outro voaram de avião para Campos, em outras vezes passearam de ônibus pelo centro da cidade, foram de trem para a Baixada Fluminense, enfim, foram oito momentos completamente distintos, variando entre restaurantes de luxo e botequins do tipo “pé sujo”. Oito momentos marcantes, inconfundíveis.
    No último encontro passaram a noite brincando, explorando todas as possibilidades do sexo e retardando ao máximo o momento do gozo, e, ao final, plenamente saciados, Getúlio se vestiu e colocou o dinheiro em cima da cômoda, se preparando para ir embora.
- Vamos fazer nossa agenda para o próximo mês? - perguntou Fabiana.
- Não – respondeu Getúlio – Vou ter que viajar, passar um tempo fora, à trabalho.
- E eu? - perguntou ela, sinceramente triste.
- Você fica aqui, meu anjo. Se divertindo e gastando uma parte do dinheiro que você ganhou nas últimas semanas do teu melhor cliente. Mas presta atenção, não torra tudo. Deixa pelo menos a metade aplicada.
- Deixa eu ir com você? Eu não cobro nada. Vou de graça. Só pelo passeio.
- É claro que não. Eu sou advogado, lembra? De graça é uma coisa que não existe. Além do mais eu vou à trabalho, não a passeio. Você ficaria a maior parte do tempo sozinha em um lugar onde ninguém fala a tua língua. Seria um saco pra você.
- Deixa eu ir com você , vai? Eu pago minha passagem. Pra que Pais você vai?
- Holanda
- Puta que o pariu! - Exclamou alto – Eu sempre quis conhecer a Holanda. Me leva, por favor.
- De outra vez eu levo você. Dessa, não. Tá muito em cima. Mas eu vou te dar uma compensação.
- Qual?
- Cinco mil pratas. Pra você fazer compras enquanto eu estiver fora. São dez dias, quinhentas pratas por dia.
- Porra – gritou irritada – você só pensa em dinheiro?
- Tudo bem. Tudo bem. Não está mais aqui quem falou. Sem grana, numa boa.
- Não é isso. Eu quero a grana. Mas quero também acompanhar você.

Getúlio deu um sorriso. Metendo a mão no bolso tirou um bolo de notas que já estava separado e enfiou na calcinha da parceira.
- Toma. É teu. Até daqui a dez dias. Disse e saiu fechando a porta lentamente.



VII

Foi um período profundamente entediante para Fabiana. Deixou um recado na agenda do telefone inventando uma viagem e não atendeu a nenhum dos clientes que ligavam. Tampouco foi para o calçadão. Não se sentia apaixonada por Getúlio, mas também não queria trepar com outros. “ Puta não escolhe – Dizia para si mesma – mas também só se vira quando precisa de grana”.
Não estava precisando de dinheiro. Dez, oito, cinco, já eram vinte e três mil reais em menos de dois meses de trabalho exclusivo, para um só cliente, e não tivera nem tempo de gastar nada ainda.
Passou os dez dias de folga, passeando, se divertindo e esbanjando dinheiro em shows, teatros, bares e museus. Mesmo assim, devido aos hábitos econômicos, não conseguiu gastar durante esse tempo nem os tais cinco mil reais.
No último dia chorou, agoniada, nem ela mesmo sabia por quê. Reconhecia apenas uma grossa pedra de angústia bloqueando sua garganta.
Quando Getúlio chegou ela estava no bar, tomando um chope sozinha e com os olhos visivelmente inchados. Ganhou um beijo na testa e o “oi” costumeiro como cumprimento. Não respondeu.
- Algum problema, meu amor? Perguntou Getúlio.
- Eu não sou teu amor.
- Perdão. É só um jeito de falar, uma força de expressão.
- Você me ama? Perguntou desafiadora.
- É claro que não. Já pedi desculpas. Não precisa ficar irritada.


Fabiana travou. Emudeceu. Ficou pálida. Getúlio, percebendo a tensão, prosseguiu com o papo.
- E aí, se divertiu nos últimos dias?
- Não. E você? Comeu muitas putas em Amsterdam? Deu dinheiro pra alguma delas te esperar enquanto você vinha ao Brasil?
- Não para ambas as perguntas. Não tive tempo para essas coisas. Apesar de que, vontade, não faltou. Aquelas ruivinhas originais aguçam o tesão da gente.
- E você não tem vergonha de falar isso pra mim não? Assim, na maior cara de pau?
- Peraí... Peraí... Acho que eu perdi um pedaço desse filme. Tô me sentindo como se fosse casado, noivo ou comprometido de alguma forma. Será que a gente casou e eu não lembro? Você não é mais uma profissional?
- Sou. - Respondeu ela já com a voz mais branda – mas nenhuma mulher gosta de ouvir de um homem que ele tem tesão por outra. É só isso.
- Ah... tá. Então não te falo mais nada. Tudo bem.

Fabiana sentiu que tinha havia misturado o cliente com a pessoa e ficou receosa de perder os dois. Deu à voz um tom meloso e meio brincalhão quando voltou a falar.

- Pode falar sim. Me desculpa. É que eu senti falta de você, só isso. Você ainda é meu melhor cliente. Lembra?

Getúlio deu um sorriso.

- Ainda bem que é só isso. Eu já estava preocupado.

Antes que ela pudesse retrucar algo ele emendou.

- Tenho a próxima semana livre, quer ir ao Sul comigo?
- Depende, se a proposta for boa. Respondeu com voz irônica.
- Quer mais dinheiro, safadinha?
- Claro. Tá pensando que eu sou baratinha? Eu sou a tua melhor puta. Cobro caro, mais te deixo plenamente satisfeito. Nem pensa em jóia falsa, sonho de valsa ou outros romantismos Buarqueanos. Quero grana, meu amor.
- Agora eu sou teu amor?
- Perdão. É só um jeito de falar, uma força de expressão. Disse, repetindo sem querer a mesma resposta que havia recebido antes.
                       
 Sem sorriso nem ar severo, Getúlio se levantou, jogou em cima da mesa uma nota de valor superior às despesas e pegou a parceira pela mão.
- Vamos embora. Eu quero você e a gente está perdendo tempo aqui.
Pela primeira vez desde que se reviram, foram ao apartamento dela. Era uma segunda feira à noite, e como só conseguiram passagem para POA na quinta de manhã, passaram dois dias inteiros engalfinhados, um entrando por dentro do outro, um fazendo o outro se revirar do avesso, um se entranhando na carne do outro no afã de alcançar o infinito e experimentar gozos fantásticos, transbordantes, nucleares.
Getúlio só reclamou da pequeneza do apartamento. Chegou a dizer que uma mulher rara como ela precisava ter um espaço mais amplo.
- Mulher rara ou puta rara? Quis saber Fabiana.
- No teu caso, as duas coisas. Respondeu o rapaz beijando-lhe a boca com avidez, só para deixar bem claro o tesão que sentia.
           

VIII


Chegaram ao aeroporto Salgado Filho quase na hora do almoço. Getúlio chamou um táxi, deu um endereço ao motorista e acomodou-se no banco traseiro com Fabiana. Deitou-a, com a cabeça em seu colo e ficou lhe acariciando os cabelos.
- Pode dormir um pouquinho se quiser, vai demorar um pouco pra gente chegar. Se quiser ronronar com minhas carícias, também pode – disse sorrindo – como uma gatinha.
- Hum... Assim eu vou ronronar dormindo – respondeu languidamente.

            Quando chegaram ao sítio Getúlio a acordou, pagou o motorista e ambos levaram as poucas malas para dentro. A casa era grande e confortável. Na parte externa havia a piscina, um campinho de futebol, churrasqueiras e coisa e tal. Um sítio comum e não muito grande, porém, muito bem cuidado e belo o suficiente para espantar o sono que ainda rondava Fabiana. Ela quis conhecer tudo, todos os cantinhos da propriedade, e ficou fascinada. Constatando que estavam sozinhos em casa, tratou de tirar a roupa para um mergulho e seguiu nua na sua sanha exploratória. Getúlio, embora vestido, a seguia de perto, provocando-a com uma apalpadela esporádica na bunda ou nos seios, um carinho na vulva ou um beijo na nuca de vez em quando. Misturava assim a excitação pela exploração do novo com a excitação sexual propriamente dita. Uma brincadeira duplamente tesuda.

- Quanto você me cobra por uma semana inteirinha aqui? Sendo só minha.
- Caro. Muito caro. Sussurrava Fabiana apalpando o membro do amante.
- Eu pago. Seja quanto for eu pago.

Passaram a semana inteira, como na canção de Milton, sem rádio e sem notícias de terras civilizadas. Desenvolveram entre si, nesse meio tempo, uma cumplicidade absoluta. Batizaram todos os cômodos da casa e muitas vezes treparam como animais, ao ar livre, nos espaços abertos disponíveis. Chegaram a perder um peso considerável, pois comiam pouco, mas gastavam uma quantidade imensa de energia com o sexo.
Ao final de uma semana estavam extenuados. Para coroar a estada com um grande desfecho Getúlio convocou prestadores de serviços locais e mandou preparar um fausto almoço de despedida, no o último dia, e só então comeram o bastante para repor as energias. Esticaram o almoço com algumas canecas de vinho e caíram no sono por volta das seis da tarde para só acordar no dia seguinte, na hora de ir embora. Naquele momento lhes pareceu o sono dos justos.


IX


Voltaram ao Rio num sábado, agindo como um legítimo casal enamorado, e talvez até por ter consciência disso, já na casa dela, provocavam-se com brincadeiras de intimidade.

- Não esquece, você é só minha puta... Dizia ele enquanto a beijava.
- Eu sei. E você também não se esqueça de que é só um bom cliente.

Diziam coisas assim e se chamegavam mais um pouquinho.

- Eu ainda não fiz teu pagamento, já ia esquecendo disso.
- Na verdade nós nem chegamos a combinar o preço, mas eu confio em você.
- Toma - Getúlio entregou-lhe um cheque.
- Caralho - espantou-se com o valor – Vinte mil reais? Você ta roubando, é impossível.
- Achou pouco? Acha que eu estou trapaceando você? Não chegamos a combinar preço, é verdade, mas eu imaginei esse como um valor justo. Se você acha realmente pouco, tudo bem. Da próxima vez a gente compensa.

Fabiana ficou transtornada. Paixão e putice se misturaram em sua cabeça.
- Cara, você é maluco? Vinte mil reais é dinheiro pra cacete. Ninguém para isso por uma trepada, nem por um ano de trepada, por melhor que ela seja.
- Eu pago. Qual o problema? Posso garantir que foi um dinheiro muito bem empregado. Falo isso como advogado.
- Advogado de cu, é rola. Você só pode estar maluco, ninguém faz uma porra dessas. Você está apaixonado por mim? Diz. Eu preciso saber. Ou está querendo só me comprar?
- Você está brigando comigo ou é impressão minha?
- Não é isso – acalmou-se – Eu estou confusa, quero entender porque você está fazendo isso.
- Te confesso que é a primeira vez que eu vejo uma mulher ficar possessa por excesso de dinheiro.
- Não brinca, vai. Me diz porque isso. Você ta dando um nó na minha cabeça.
- Tá bom. Eu digo. Você quer mesmo saber?
- Quero.
- A verdade é que eu ganho muito dinheiro. Muito mais do que eu preciso. E é verdade também que eu me afeiçoei a você. Não estou apaixonado, pode ficar tranquila. Mas gosto de ficar com você. E tem uma outra coisa, muito importante, que você precisa estar preparada pra ouvir.
- Fala. Eu estou preparada.
- Tem certeza? Talvez você nunca mais queira estar comigo depois que eu te contar isso. Nem pra tomar cafezinho. É uma coisa grave, tanto que eu tenho receio de te contar e não te ver mais.
- Fala de uma vez. Isso ta me agoniando.
- Só se você me der a garantia de que não vai se afastar de mim. Você promete?
- Prometo. Conta, pelo amor de Deus. Você fez alguma merda? Roubou dinheiro de bandido? De traficante? De político? O que você fez?
- Nada disso.
- Então fala, porra.
- Eu tenho uma doença grave.
- Como assim? Eu não vejo sintoma de nada. Você me parece normal.
- É uma doença neurológica que ainda não se manifestou, mas vai surgir a qualquer momento. O nome dela é Doença de Huntington. Eu tenho 28 anos e os médicos garantem que me restam só mais alguns anos de vida. Entre três e cinco. Como eu disse a você, eu ganho muito dinheiro, mas não tenho ninguém para quem deixar nada.
- Você é rico?
- Não. Mas meu trabalho paga bem e antes de saber da doença eu acumulei alguns bens. Só que hoje eu sei que eles não me servirão de nada. Minha mãe morreu com a mesma doença aos 32 anos, oito anos depois do meu pai abandona-la por medo. Eu tinha dezesseis anos quando ela morreu. Meu pai morreu quando eu tinha 23, e aí eu fiquei sozinho no mundo.
Sentada na cama, Fabiana estava perplexa.

- Quando a gente era adolescente, quando a gente namorava, você já tinha isso?
- Tinha, mas não sabia. Meu diagnóstico só foi confirmado no ano passado. Fui à Holanda em busca de um tratamento alternativo, mas não deu certo. Eu vou morrer em, no máximo, cinco anos, e não tenho ninguém para dividir nada comigo nem para herdar o que eu tenho. Imaginei que você poderia ficar com pelo menos uma parcela disso. Eu gosto de você.
- Mas porque você não me disse nada sobre isso. Seria mais sensato do que me empanturrar de dinheiro.
- Se eu dissesse, você teria saído comigo? Teria ido para o Ceará? Para Poa? Eu contei só uma parte da história para a moreninha da Help e você viu no que deu. A mulher nem quis papo. Ela me disse que nenhuma mulher gosta de estar ao lado de um morto vivo, quanto mais trepar. Nem por todo o dinheiro do mundo, ela disse. Na verdade, posso te dizer agora, essa foi a coisa bizarra que ela se recusou a fazer. Trepar com um morto vivo.

Getúlio se levantou e caminhou em direção a porta.
- Vou embora. Tchau. Agora você já sabe de tudo.
- Não – gritou Fabiana, correndo até a porta e impedindo a saída dele - Fica comigo. Não vai embora não – Ela estava chorando.
- Eu estraguei tudo - Getúlio falou rindo – se você ficar comigo agora é por pena, e isso eu também não quero.
- Não é isso. Eu juro. Eu gosto de você. Fica.
- Meu amor - falou beijando-lhe os olhos – isso não é nada profissional.
- Porque você me trata assim? - Perguntou chorando intensamente - Porque você me chama de meu amor?

Amparou a cabeça no peito dele e intensificou o choro, soluçando muito.
- Não chora meu amor. Quem vai morrer sou eu, não você.
- Não brinca com essas coisas – Fabiana misturava a voz com o choro.
- Você me pressionou e eu acabei contando o que eu não queria. Vamos fazer o seguinte então: Vamos dar um tempo. Eu vou embora e você descansa um pouco. Amanhã a gente se fala. Só que, civilizadamente - forçou um sorriso - sem esse concerto para choro e orquestra. Tá bom assim?

Fabiana concordou e Getúlio saiu. A noite no apartamento decorado por jovens artistas seria longa. Os quadros na parede ouviriam soluços e lamentos a noite inteira, mas continuariam belos. Mais tarde, quando o cansaço ganhasse a queda de braços com a angústia, eles velariam o sono de uma moça triste.


X


No dia seguinte Getúlio chegou à casa de Fabiana acompanhando o crepúsculo. Trazia nas mãos uma pasta com uma montoeira de papéis. A moça, ainda baqueada, não entendia quase nada do que ele falava.

- Essa papelada é de um apartamento que eu tenho, aqui em Copa. Três quartos. Grandão. Com direito a vaga na garagem e o escambáu. Dá até pra você fazer um jardinzinho de inverno maneiro e receber tua clientela em grande estilo. Pode até cobrar mais, se quiser.

Fabiana estava meio confusa.

- Que porra é essa? Não estou entendendo nada. O que eu tenho a ver com o teu apartamento?

Com um sorriso no rosto, Getúlio jogou a papelada em cima da mesa.

- Não é mais meu. Estou passando pro teu nome. Vim aqui pegar teus dados e tua assinatura.
- Nem fudendo! Não me vem com essa história não. Parece maluco. Um AP desses deve custar uma grana altíssima e você quer me dar assim? De mão beijada? Eu sou puta mas não sou trambiqueira.
- Quer saber de uma coisa? Já está na hora de você crescer, sabia? Você não é puta nem trambiqueira, você é uma dondoca. Uma menininha mimada e romântica que resolveu posar de puta só pra desafiar o planeta. Mas isso acaba aqui. Você vai assinar essa porra nem que seja na base da tortura. Eu uso de violência se for preciso.
- É quem é que vai me torturar? Você? Bundão...
- Claro que não. Vou contratar um negão daqueles que fazem papel de bandido no cinema americano, com 3 metros de altura por três de largura e cara de mau, e vou mandar ele te encher de porrada até você aceitar o apartamento.
- Babaca. Eu seduso ele, dou pra ele, reverto a situação e ainda mando ele meter umas porrada em você depois.
- Bater em mim é fácil, eu tô morrendo mesmo. Mérito seria me ajudar, colaborar comigo e assinar essa merda dessa transferência. Recebi uma ligação do meu médico ontem a noite. Os sintomas devem começar dentro de uns três meses, no máximo. Tenho que me livrar de tudo rápido.
Mas se você não quer ajudar tudo bem. Se meus bens forem todos pro Governo a culpa é tua. Só tua.
- Aí é sacanagem. Você tá fazendo chantagem emocional comigo. Isso é escrotidão.
- Escrotidão tua, que se recusa a cumprir a última vontade de um morto.
- Você não esta morto.
- Mas vou morrer. Em um ano eu devo estar todo tortinho, sem voz e com o cérebro virando pasta. Mas o pior de tudo vai ser ter a consciência de que meu AP preferido virou matadouro de algum secretário de Estado, Deputado ou Senador. Puta sacanagem. E tudo culpa tua.

Fabiana deu uma parada na discussão e baixou o tom de voz.

- Como assim, todo tortinho?
- Assim mesmo. Tortinho. Literalmente. Primeiro os músculos vão atrofiando, depois o cérebro começa a entrar em colapso. Mas durante um tempo eu vou estar todo encarquilhado, só que entendendo tudo. Vou ser só uma massa disforme pensando em quanto você foi má em não satisfazer meu último desejo.
- Mas isso não tem nada a ver com eu aceitar ou não o AP – falou já meio chorando – Eu não quero que você fique assim...
Getúlio ficou penalizado com o choro sincero da parceira.
- Não chora meu anjo, isso não tem jeito - abraçou-a – De uma forma de outra eu vou me fuder, por isso quero que você fique com tudo. Toma conta de tudo pra mim, vai. Numa boa. Eu preciso que você faça isso.
- Mas isso não é nenhum favor. Na verdade eu estaria me beneficiando da tua morte.
Getúlio se irritou.
- Você deveria ler menos, sabia. Esse papo de socialismo, filosofia, ética... Isso é tudo mentira. Conversa mole para boi dormir. Você está na verdade alimentando um conflito que não existe. Ninguém prejudica um morto, porque não há prejuízo maior do que estar morto. Vê se entende isso. Esquece as regras, as noções, as concepções. Pensa em mim, porra. Não custa nada você fazer o que eu estou pedindo.

Chorando muito, Fabiana acabou cedendo à lógica do amigo e assinou toda a papelada. Ao invés de irem para a cama depois de tudo, no entanto, Getúlio anunciou que precisava ir embora.
- Não vai não – retrucou a moça – depois dessa confusão toda você vai querer que eu durma sozinha? Eu cedi pra você e assinei tudo, agora é tua vez de ceder e ficar comigo. É uma exigência. Faz parte do acordo.

Getúlio acatou a exigência e passou a noite com Fabiana. Não fizeram sexo, no entanto. Passaram a noite inteiras papeando, às vezes coisas sérias, às vezes conversas de brincadeira, como duas crianças grandes. Dormiram já com sol alto. Estavam tão relaxados e felizes que nem perceberam as primeiras luzes da manhã.
Quando Fabiana acordou, no meio da tarde, Getúlio já não estava ao seu lado. Havia saído e levado consigo os documentos assinados.


XI


Nos dias que se seguiram Getúlio não deu notícias. Nem na semana ou no mês seguinte. Fabiana se angustiava, mas não havia como procurá-lo. Não sabia nem onde o rapaz morava. O único endereço seu que conhecera era o do apartamento ao lado do de sua avó, mas certamente ele já não morava mais lá, do contrário teria dito algo sobre Dona Judith em algum dos momentos passados juntos.
Com mês e meio de sumiço do rapaz, Fabiana não agüentou. Acordou cedo e foi à casa da avó buscar a única possibilidade de informações de que dispunha.

Depois de recebê-la em casa com euforia, fazendo questão de mostrar os detalhes da casa, tudo o que foi mudado durante sua ausência e até mesmo a fidelidade com que tratou sem antigo quarto, sem mudar sequer uma agulha de lugar desde sua partida, Dona Judith, quando finalmente perguntada, sentou a neta no sofá da sala, segurou suas mão e candidamente decapitou suas últimas esperanças.
- Faz tempo que eu não vejo o Getúlio. Não sei por onde ele anda.
Fabiana chorou quietinha enquanto a avó falava.
- Da última vez que ele esteve aqui deixou um pacote para você. Não sei o que é. Não abri, mas me pareceu algo importante.
Dona Judith se levantou, pegou o envelope guardado em um compartimento de um móvel da sala e entregou a neta.
Enquanto lia, Fabiana foi agravando paulatinamente os estágios do choro, que ao final da leitura já era compulsivo. Tratava-se de um conjunto de documentos e uma carta na qual Getúlio explicava tudo. Escrituras, contas bancárias em seu nome, comprovantes de depósito, estava tudo ali. O ex cliente havia passado vários bens para o seu nome e transferido uma generosa quantia em dinheiro para uma série de contas abertas para ela. Pelo que lia todo o patrimônio de Getúlio agora era seu. Na carta havia instruções minuciosamente detalhadas de como investir tudo e fazer retiradas mensais específicas, segundo o qual, seu futuro estaria garantido por muitos e muitos anos sem que ela precisasse trabalhar nem se preocupar com nada do ponto de vista financeiro. A herança recebida não a transformava em uma mulher rica, mas a preservava de quaisquer necessidades maiores no futuro.
O texto não deixava claro o paradeiro de Getúlio, mas dava a impressão de que, em função da doença, havia optado por viver em isolamento, em algum lugar ignorado, sem muitas perspectivas de um encontro futuro.
Fabiana chorou muito e foi amparada pela avó, que, ao final das contas, acabou chorando também. Ambas passaram o resto do dia e quase uma noite inteira lembrando das coisas da vida, principalmente do namoro adolescente entre Fabiana e Getúlio.
- Eu acho que ainda gostava dele, vó. Mas nem eu sabia.
- Eu sabia meu amor. Sabia, inclusive, que ele ainda era alucinado por você.

XII


Nos meses seguintes a vida de Fabiana sofreu uma mudança drástica. Voltou a estudar, abandonou o calçadão e voltou a morar com a avó, entre outras coisas. Tornou-se uma jovem alegre, sempre de bem com a vida e com uma disposição incrível para projetar coisas para o futuro. Com exceção de uma ou outra namoradinha pelas noites cariocas, permaneceu sozinha. Não queria se envolver com ninguém, mas não agia assim de forma deliberada. A coisa simplesmente não rolava, não dava liga. Mesmo quando a noite de sexo com algum eventual parceiro era boa, não batia a vontade de repeti-la e, sem grilos nem neuras, seguia em frente. Tocando seu barco, como costumava dizer.

Numa noite de dezembro chegou em casa e não encontrou Dona Judith. Foi informada por vizinhos do prédio que a avó havia passado mal, não se sabia de que, tendo sido encaminhada para um hospital particular de Copacabana. Sentiu-se angustiada e correu ao local, literalmente.
A senhora havia sofrido um derrame e estava internada. Lúcida, já fora de perigo, mas sem condições de locomoção. Várias seqüelas impediam seus movimentos. Até mesmo a fala estava prejudicada, mesmo assim, no entanto, Dona Judith insistiu em conversar com a neta já no primeiro dia de visitação.
Sozinhas no apartamento do hospital, com dificuldades, a senhora insistia em falar-lhe.
- Senta aqui – na beirada da cama – preciso te contar uma coisa.
A voz saia lenta e mastigada, forçada. Mas num monólogo longo, diante da mudez da neta, Dona Judith revelou uma parte de sua história que Fabiana nem sequer sonhava que fosse possível.
Confessou que sabia o paradeiro de Getúlio, ele vivia em Porto Alegre, no tal sítio visitado por eles no passado.
Falou do dinheiro, dos imóveis, de como o convenceu de visitá-la no calçadão com a tarefa faze-la, de alguma forma, aceitar os bens da avó. Falou do sofrimento do rapaz ao final de cada encontro, das crises experimentadas por ele, que sofria de amor sem poder falar a verdade. Explicou em que momento exato Getúlio decidiu incluir seus próprios bens, juntando-os ao de Dona Judith, e repassá-los, todos, à Fabiana. De como o rapaz se sentiu culpado por inventar a história da doença para enganar a ex namorada e persuadi-la tanto a aceitar a herança como a abandonar a prostituição. Contou tudo. Todo o plano engendrado por ela própria e executado por Getúlio com o objetivo de resgatá-la da solidão.
Ao final do relato, Fabiana estava perplexa.
- Então era tudo mentira?
- Não – retrucou a avó – O amor que esse rapaz sente por você é plenamente verdadeiro. Tanto que ele preferiu se tornar um eremita, isolado do mundo, a contemplar teu olhar de decepção para com ele quando você descobrisse a verdade.
- Ele é um mentiroso – Gritou a moça.
- Eu também sou – disse a avó. Mas como eu acho que estou morrendo, isso já não me incomoda tanto.
- A senhora não está morrendo. Já está fora de perigo.
- Estou sim. Eu estou velha, você sabe. É a natureza das coisas. Isso não me preocupa. Mas Getúlio é jovem, como você, e está morrendo de amor em algum lugar distante da gente.
- Não me fala desse cara. É um porco. Um nojento. Nunca mais quero vê-lo na vida. Mentiroso. Mentiroso. Mentiroso – gritou Fabiana chorando e apertando a mão da avó.
- Ele é sim, um mentiroso. Você esta certa em se indignar, em ficar possessa, em se sentir traída... Mas foi a mentira mais linda do mundo. Tenho a certeza de que nem se eu vivesse mais duzentos anos assistiria a uma mentira tão bonita quanto à dele. Eu menti por egoísmo, não tenho vergonha de confessar. Ele mentiu por amor.
- Isso não me convence. Eu vou embora – disse Fabiana levantando-se de repente - Não quero ouvir a senhora defendendo seu cúmplice de trapaça.
- Na verdade – rebateu a idosa – ele foi muito mais teu cúmplice do que meu, e de uma forma muito mais sincera.
Aparentemente ignorando as palavras de Dona Judith, Fabiana saiu do quarto.
- Amanhã eu volto. Velha trapaceira – Disse antes de sair.


XIII


Dona Judith passou quarenta dias internada e foram necessários mais seis meses de convalescença e fisioterapia, já em casa, para que recuperasse completamente os movimentos.
Durante a internação as visitas de Fabiana eram diárias, mas o tema Getúlio não mais figurou no papo entre as duas. A avó sempre tentava introduzir-lo, mas a neta ignorava o assunto. Mesmo depois de receber alta, o tema permaneceu proibido.
Alguns dias após sua plena recuperação, Fabiana comunicou à avó que precisaria fazer uma viagem. Contratou uma acompanhante para dar-lhe assistência durante sua ausência, mas não lhe deu maiores explicações sobre onde ia nem o tempo que permaneceria fora.  Dona Judith, por sua vez, também não fez perguntas. Achava que a neta andava triste e introspectiva demais. Um passeio talvez fosse mesmo a melhor opção para restaurar o ânimo perdido.

XIV

Fabiana chegou ao sítio em Porto Alegre no dia 20 de agosto. Desceu do carro empunhando uma filmadora e atravessou assim, registrando todas as imagens, a porteira aberta da propriedade até encontrar Getúlio, nos fundos, agachado, revirando uma porção de terra com uma espátula.
- Não para o que está fazendo – disse quando o rapaz reparou sua presença – Estou documentando a ressurreição de um porco mentiroso.
Getúlio correu para dentro de casa enquanto a ex amante o perseguia, com a máquina em punho.
- Vem cá covarde. Não foge não.
- Para com isso. Você ficou maluca?
- Não, mentiroso. Você é que é cara de pau. Fica parado. Deixa eu filmar a personificação da mentira.
- Para com isso, por favor – disse colocando a mão na lente da máquina para impedir a filmagem. Tinha uma lágrima nos olhos.
Fabiana baixou a máquina, interrompendo a filmagem, mas não baixou a guarda.
- Além de tudo é hipócrita. Trai, engana, mente e ainda tem a desfaçatez de chorar.
- Pode me agredir, me xingar. Diz tudo que você tem pra dizer. Desabafa. Mas depois vai embora. Na verdade eu nem preciso ouvir nada disso de você. Eu já sei de tudo. Eu sou um verdadeiro filho da puta. Mas se você quer aliviar teu coração pode me xingar à vontade.

Ambos sentaram-se no sofá da sala. Um de frente por outro. Foi Fabiana quem reiniciou o papo.

- Estava fazendo buraco no chão por quê? Desconfiou que eu viesse e resolveu abrir uma cova? Ia se enterrar pra tentar continuar me enganando?
- Não. Longe disso. Eu cultivo flores aqui. Vivo disso. O buraco era para iniciar o plantio.
- Isso é muito escroto, Um cara que age como você deveria ser proibido de plantar flores. É uma atividade muito nobre pra você.
- Para com isso, vai. Não tripudia – lágrimas continuavam brotando dos seus olhos enquanto ele falava – Se você pensa que eu vou te pedir perdão está muito enganada. Na verdade eu tenho a convicção de que não fiz nada de errado. Menti, sim. Te enganei, sim. Mas fora o fato de eu ter me aproveitado sexualmente de você, eu fiz a coisa certa.
- Seu filho da puta... Pelo menos você admite que se aproveitou de mim.
- Admito. É isso que você quer ouvir? Então eu admito. Está feliz agora? Eu admito que seja um porco nojento. Agora pode ir embora.

Sem demonstrar qualquer intenção de pressa, muito pelo contrário, Fabiana acendeu um cigarro, deu uma longa tragada e cruzou as pernas antes de voltar à conversa.

- Você está feliz aqui?
- To sim. – Respondeu quase que resmungando enquanto secava a lágrima dos olhos.
- Feliz em viver longe de mim? Se escondendo da tua vergonha?

Getúlio emudeceu completamente.

- Quanto você ganha aqui, por mês? – Continuou ela.
- O suficiente. Dá para comer três vezes por dia – Disse demonstrando contrariedade com a pergunta.
- Eu tenho uma proposta pra te fazer. De trabalho. Eu te faço a proposta, se você topar a gente fecha negócio. Que tal?

- Duvido que você tenha vindo até aqui para me oferecer trabalho. Algo me diz que por você eu seria segurança de mafioso, jornalista em zona de guerra ou qualquer outra coisa que me proporcionasse uma perspectiva bem curta de vida.
- Não seja pessimista. Você é mentiroso, hipócrita e canalha, mas eu não te quero morto.
- Quer que eu sofra antes, é isso?
- Não exatamente – Fabiana riu pela primeira vez desde sua chegada, distensionando um pouco o ambiente – Não sei se você sabe – continuou – eu recebi uma herança recentemente.
- Ouvi falar disso.
- Pois é. Estou precisando de um advogado com experiência na área financeira.
- Porque você está me propondo isso?
- Praticidade. Preciso de alguém que seja profissional. Que não vá misturar emoções com trabalho. Você topa?
- Se o salário for bom... Respondeu ameaçando um sorriso.
- Mas tem uma coisa importante. Posso precisar de uma orientação jurídica ou financeira a qualquer momento, então quero teus serviços vinte e quatro horas por dia.
- Por mim tudo bem.
- Quero que você de plantão na minha cama.
Antes que Getúlio pudesse esboçar reação Fabiana sentou-se em seu colo e deu-lhe um beijo demorado.
- Vamos para o Rio. Agora você é quem vai ser funcionário em tempo integral de uma puta.
Getúlio riu.
- Uma ex puta, você quer dizer.
- Não. Uma puta mesmo. Faço questão disso.
Getúlio agarrou a mulher com a avidez de um faminto diante de um prato de comida.
- Vamos para o aeroporto agora? – Balbuciou no intervalo de um beijo aflito.
- Não. Vamos para o Rio amanhã. E vamos de carro. Temos muito que conversar na viagem. Quero parar nos bares de estrada para tomar chope e passar as noites em pousadas para me aproveitar sexualmente de você, como você fez comigo. Mas hoje quero passar a noite aqui. Explorando os teus serviços, seu filho da puta.
Passaram o resto do dia e a noite seguinte engalfinhados, misturando corpos, cheiros e sumos. Demoraram dias para voltar ao Rio, pois priorizavam como queria Fabiana, paradas longuíssimas nos motéis de estradas. Quando chegaram a Copa, se engalfinharam mais.
Até mesmo Dona Judith, com toda a sua avançada teoria de vida amorosa, passou o resto da vida se surpreendendo com as possibilidades de amor postas em prática pelo casal. Durante os dias, meses e anos seguintes as ruas e becos de Copacabana, e até mesmo o mar, serviram à cumplicidade explicita de Getúlio e Fabiana, que se tornaram, um em relação ao outro, profissionais do amor e da paixão em tempo integral.